Precisamos falar sobre Karina
Os problemas sociais que alimentam o suicídio
"Mãe, posso ir fazer um trabalho? Preciso de nota". Essa foi a última mensagem que Angela, 46, recebeu de sua filha Karina, uma jovem de 15 anos que se matou por temer que fotos íntimas fossem vazadas na internet. No entanto, esse foi só um dos fatores que a levou a desistir da vida.
A mãe respondeu a mensagem, perguntando onde ela iria fazer o trabalho e não teve resposta. Chegando em casa, viu o celular da filha em cima da mesa e chamou seu nome. Notou que a porta dos fundos estava aberta e foi até lá. Quando chegou na varanda, se deparou com a cena do suicídio.
"A gente não sabe o que passa na nossa vida. Ah, se eu soubesse..."
Karina nunca apresentou sinais do que estava acontecendo, os pais contam que ela era uma aluna dedicada e uma menina muito meiga, e assim como todas as garotas de sua idade, tinha muitos sonhos. Sempre quis uma festa de debutante e sonhava em ser delegada, inspirada no pai que estudou Direito.
Bullying e racismo caminhando lado a lado
Filha de mãe branca e pai negro, Karina tinha o cabelo crespo e costumava alisá-lo para evitar ser alvo de comentários racistas disfarçados de brincadeiras de adolescentes.
Durante um ano, Karina vinha sofrendo bullying e sendo perseguida na escola pública que estudava em Nova Andradina (MS), onde o pai trabalhava como agente de segurança. Quinze dias antecedentes ao seu suicídio, uma colega da jovem contou ao diretor, Acácio Sampaio, que ela havia tomado veneno. Karina foi chamada na direção e lá se abriu, contou sobre o bullying.
Os pais da jovem foram chamados para conversar, Acácio falou sobre os problemas de Karina com o cabelo e uma conversa foi feita com todos os alunos da classe.
"O bullying é uma coisa transitória, já o racismo é quando você ataca uma característica que a pessoa não pode mudar, como o cabelo ou cor da pele." - Aparecido, pai de Karina
Aparecido relata que a filha não gostava do cabelo justamente porque a criticavam e isso é racismo, privar uma pessoa de sua identidade, fazer com que ela acredite que é feia. Ele conta também que planejou uma mudança da cidade por conta da tristeza da filha, mas que não deu tempo.
Após sua morte, mensagens de ódio foram encontradas em seu WhatsApp, pessoas ridicularizavam seu cabelo por ser afro e a insultavam pelo fato dela passar chapinha.
Machismo nosso de cada dia
Aos 14 anos Karina conheceu um garoto de 17 anos, com quem teve relações sexuais. A história se espalhou pela pequena cidade de 50 mil habitantes e rumores de que o garoto estaria espalhando pelas redes sociais fotos íntimas dela começaram a surgir.
Não é confirmado se as fotos existiam de fato, mas a vergonha e humilhação na vida de Karina eram reais. Ela chegou a falar para seu pai que estava se sentindo suja e vulgar por isso estar acontecendo com ela.
O machismo grita toda vez que um menino, independendo de idade, usa uma mulher como troféu, uma maneira de se vangloriar para outras pessoas. A menina ganha o papel de vulgar e desprezível e o garoto assume a fama de "mulherengo" e "descolado".
Foto: Reprodução/Pinterest
O crescimento do índice de suicídio de jovens entre 15 e 29 cresceu 10% em 12 anos. Esse assunto ainda é tratado de maneira velada por acharem que quanto mais se fala sobre, mais as pessoas fazem, mas isso é um equívoco perigoso. Um assunto desconfortável, porém real.
O suicídio não acontece de uma hora para outra. É comum os adultos confundirem a tristeza ou a exclusão social do adolescente como fase ou aspectos da juventude, no entanto, muitas vezes são questões de saúde mental, que precisam ser tratadas com importância. O diálogo sem preconceito ou pressa pode ser a oportunidade do jovem falar o que se passa com ele.
Cinco minutos de atenção podem salvar uma vida. Quantas Karinas você conhece?