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Mulherxs

Amanda Narangeira

O que é ser mulher: o papel social atribuído à mulher e as pré-definições de gênero

 

A concepção de dualismo muitas vezes predomina os discursos por ser mais simplista, categorizar algo como bom ou mau; feliz ou triste; positivo ou negativo simplifica o pensamento e faz o mundo parecer mais prazeroso, porque temos a sensação de que tudo se encaixa perfeitamente em caixinhas pré-determinadas. Entretanto, na realidade, muitas vezes o fato não se encaixa na definição, mas isso não significa que a questão deixou de existir. Pensando nisso quando o assunto é gênero, surge uma grande questão: o que é ser mulher?


Porém, é preciso de antemão definir “quem é mulher”. De início, deve-se levar em conta que por muito tempo o predominante olhar dualista compreendia apenas que se nasce homem ou mulher. Foi só na década de 70 que o termo “gênero” começou a ser usado, e as ciências sociais iniciou um debate sobre identidade de gênero, trazendo outros conceitos além do dualismo homem/mulher, como o não binário, cuja pessoa não se identifica com nenhum dos gêneros.


O Correio Braziliense, junto com a psicóloga Isabel Amora, elaborou um glossário sobre o universo trans, que vale a pena conferir para compreender a diferença entre sexo biológico e identidade de gênero, e então estabelecer a complexidade da questão “o que é ser mulher?”.


Lili Elbe, primeira transexual a fazer cirurgia de redesignação sexual, inspiração para o filme "A Garota Dinamarquesa"


A própria constituição da sociedade moderna ocidental se arquitetou sob aspecto biológico no âmbito do gênero, então toda sua variação foi sendo tratado como pauta da área da saúde. Isso foi tão enraizado, que a produção científica brasileira sobre LGBT+ era apenas enquadrada em dados de pesquisa sobre HIV e AIDS, e nesse contexto, a homossexualidade foi sendo tratada como doença.


Como a diversidade de identidade de gênero era vista como um transtorno mental, a psiquiatria teve grande influência na forma de pensar da sociedade. E por isso, durante muito anos, deu-se uma grande importância na relação que a pessoa estabelece com o próprio genital.


O discurso antigo da psiquiatria e outras instituições levou muitos pensarem que a mulher trans seria aquela que tem aversão ao pênis, e por isso se submete a cirurgia de mudança de sexo. Enquanto a travesti é aquela que não tem problemas quanto a sua genital. Mas essa hipótese gera grandes consequências para a população trans.


Uma dessas consequências é o senso comum ignorar que ser mulher não envolve apenas o sentido corporal, de ter ou não pênis/vagina. É nesse ponto que as questões biológicas não servem mais para classificar o que é ser mulher ou não, porque se a situação não cabe na caixinha, não significa que ela deixa de existir, como dito no início do texto.


Se considerarmos mulher apenas aquela que nasce com o órgão feminino e se reconhece como tal (mulher cis), impossibilitamos que outras pessoas vivam de acordo com aquilo que se identifica, excluindo o conceito de identidade de gênero, que ultrapassa a classificação da caixinha biológica dualista, e é isso que faz aquele discurso da psiquiatria um propulsor de preconceito.


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Outro grande problema que surge com essa divisão entre mulher cis e tans é a hierarquização de identidades. A mulher cis seria a mulher legítima, pois nasceu com o genital do mesmo sexo com o qual se identifica, portanto seria “mais mulher”. A trans seria a “transexual de verdade”, porque tem aversão a própria genitália e quer possuir a vagina. E mais a fundo, há a questão das travestis, que de acordo com a definição da psiquiatria são aquelas que não possuem problema com seu genital de nascença, são tidas como depravadas e associadas à prostituição.


É nesse sentido que, por mais que a sociedade ainda tenha um entrave em reconhece a trans como mulher, acaba aceitando muito mais a expressão “mulher trans”, quando comparada com a travesti. Porque a palavra “travesti” segue tendo uma conotação de xingamento, como perversão sexual. E com isso, muitas pessoas continuam acreditando que a palavra dever ser usada no masculino, quando na verdade é a travesti.


Identidade de gênero e o meio em que vivemos


Antes mesmo da sociedade reconhecer a legitimidade da trans, o meio já havia a transformado, assim também ocorre com a mulher cis. Desse modo é possível reconhecer que mulher não se enquadra apenas no âmbito biológico, e vivemos em um ambiente que pressiona as pessoas a se vestirem e performarem de acordo com aquilo que se espera.


No fim dos anos 1940, em “O Segundo Sexo”, Simone de Beauvoir propôs uma discussão democrática sobre as rupturas que deveriam existir das estruturas psíquicas, sociais e políticas, com a seguinte afirmação: “não se nasce mulher, torna-se mulher”.


Simone de Beauvoir, filósofa e escritora francesa. Foto: Reprodução/Estante Virtual

Essa frase é muito significativa, pois quem definia o que era ser mulher, sempre foram homens, por isso a classe feminina ficou tanto tempo aprisionada ao papel de mãe e esposa. Assim, fica claro que não é a genital que diz sua identidade, e sim as instituições sociais e seu papel pré-estabelecido.


A mulher não tem um caminho biológico, mas sim uma formação cultural que irá defini-la dentro da sociedade. Então, nascer não atribui nossa essência, por isso, não nos tornamos aquilo que realmente somos. Não se nasce mulher, a simples existência não nos afirma como mulher, e sim a vivência que nos torna mulher.


Ser mulher não é uma caixinha fechada, porque existe a identidade de gênero, e a vida real ultrapassa os significados de cisnormatividade. E portanto, também não existem hierarquias no conceito de mulher.


Ser mulher não se resume a um genital.


Ser mulher é uma construção social.


Ser mulher é ser resistência.


Ser mulher é estar na luta diária para superar os padrões da sociedade quanto às expectativas de gênero.

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