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O legado da Rainha Kambinda

Vinícius Barboza

Aos 81 anos morre Raquel Trindade, artista plástica, coreógrafa, escritora e folclorista negra

 

Na semana passada, os orixás guiaram para outra dimensão espiritual Raquel Trindade, expoente e propagadora da arte afro-brasileira, que faleceu aos 81 anos. A “Rainha Kambinda”, como ficou conhecida ― pseudônimo em homenagem à cidade angolana Cabinda ―, dedicou sua vida à luta em prol da valorização artística e da cultura negras, e também difundiu valores do Candomblé. A multiartista foi atriz, escritora, coreógrafa, folclorista, professora e pintora.


Nascida no Recife/PE, mas carioca de registro, filha dos artistas Maria Margarida do Nascimento e Francisco Solano Trindade, Raquel partiu com sua mãe e irmã ainda na infância para o Rio de Janeiro/RJ, onde estabeleceu contato íntimo com a arte, principalmente ao acompanhar seus pais tanto nos projetos artísticos em que trabalhavam, quanto em locais e eventos culturais.


Raquel Trindade, a Rainha Kambinda, faleceu aos 81 anos em Embu das Artes/SP. Foto: Reprodução/Portal da Prefeitura de Embu das Artes

Solano Trindade sempre foi incentivador de Raquel no meio artístico e fazia nascer na pequena menina a artista que tanto fez pela cultura negra. “Ele me levava no [Theatro] Municipal pra ouvir ópera, me levava pra Biblioteca Nacional, pra Pinacoteca, tudo ali pertinho, no centro do Rio”, conta a artista em entrevista ao Museu da Pessoa.


Raquel passou a infância no Recife e no Rio de Janeiro. Em solo pernambucano, a artista brincava de roda, pique-bandeira e adorava subir em árvores. Estudou no RJ em uma escola regional localizada em Duque de Caxias, na qual tinha aulas ao ar livre sob ipês, exceto durante os invernos.

A relação de Raquel e Solano Trindade com a cidade de Embu das Artes/SP, localizada na Grande São Paulo, começou ainda na década de 1960. A convite do escultor Assis do Embu, a família Trindade fora conhecer o município. Em entrevista à série +70, produzida pelo Itaú Cultural, Raquel conta sobre o episódio. “O Embu era belíssimo, com águas limpas, fonte de água mineral, muita mata, e meu pai disse: ‘Isso é um oásis, eu vou ficar é aqui mesmo’.”


E foi em Embu das Artes que a Kambinda construiu um legado próprio. Um ano após a morte de Solano Trindade, em 1974, Raquel fundou o Teatro Popular Solano Trindade, dedicado à preservação e expansão da cultura afro-brasileira e popular. Além do teatro, a artista continuou o trabalho de seu pai, publicando livros escritos por ele.

Fachada do Teatro Popular Solano Trindade, que completou 40 anos em 2015. Foto: Reprodução/Afreaka

Dentre as danças com as quais Raquel trabalhou durante sua carreira de coreógrafa destacam-se o “maracatu” específico de Recife, o “coco” do Nordeste, o “Guerreiros de Alagoas”, luta-dança oriunda da Península Ibérica, o “bumba meu boi” pernambucano, e movimentos referentes aos orixás de Candomblé. Muitas dessas danças Raquel aprendera com sua mãe, e passou como herança artística a seus filhos, que hoje coordenam o Teatro Popular.


Mesmo sem formação acadêmica, Kambinda ministrou aulas de Teatro Negro na Unicamp, entre 1987 e 1992, e também nas universidades Anhembi Morumbi, UFSCar, USP e Unifesp. A também escritora produziu 6 obras literárias, duas sobre a história da cidade de Embu das Artes, uma trilogia sobre os orixás, criada com o objetivo de combater os estigmas que existem acerca do Candomblé, e um livro sobre as danças afro-brasileiras trabalhadas por ela.

Raquel Trindade sendo condecorada com a Ordem do Mérito Cultural, prêmio concedido pelo Ministério da Cultura. Foto: Reprodução/Mídia NINJA

Em 2007, Raquel Trindade recebeu das mãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Mérito Cultural da República, em seu nome e de seu pai. A artista não está mais conosco, mas seu legado em nome da arte é eterno. A Rainha Kambinda é ancestralidade, luta e resistência negras, e um nome que marcou a cultura popular regional e brasileira.


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