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Funk: cultura do pobre, crime da elite

Maria Luísa Cappelli

A criminalização de uma cultura de identidade baseada em preconceito

 

“Eu só quero é ser feliz, e andar tranquilamente na favela onde eu nasci. E poder me orgulhar e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”. Música da dupla Cidinho & Doca, lançada em 1995, ano em que o funk já mostrava sua força para a sociedade brasileira, que ficou chocada em ouvir nomes de armas e a naturalização da pobreza e violência. O funkeiro automaticamente foi relacionado ao estigma do “favelado e ladrão que faz apologia à violência e drogas”, dando início à criminalização de um estilo de música que não é nada além do límpido reflexo de uma realidade vivida e presenciada todos os dias por uma parcela marginalizada da sociedade.


O funk assusta justamente por ser um porta-voz da realidade do pobre e negro das favelas, que causam aversão em uma sociedade em que ser morador de comunidade está relacionado a ser ladrão. A sociedade possui repulsa do termo “favelado”, porque é mais cômodo fingir que não existe aquela realidade do que encará-la.


Um projeto de lei que pretende criminalizar o funk como “crime de saúde pública à criança, aos adolescentes e à família”, criada pelo empresário Marcelo Alonso, chegou ao Senado quando superou 20.000 assinaturas no dia 24 de maio de 2017 – 20 mil pessoas enxergaram o quanto as letras de funk são ofensivas.


No entanto, as críticas ao funk se limitaram ao simples fato de ser funk, uma expressão cultural, mas escolheram cegar-se a tentar enxergar que o que carrega as letras de funk de conteúdos ofensivos e violentos é o reflexo da sociedade que a música tem. A violência, desvalorização da mulher e apologia às drogas é anterior ao funk, as letras são o retrato do cotidiano.

Releitura de "Mona Lisa" (Leonardo Da Vinci). Foto: Reprodução/Pinterest

Corta-se o funk, mas nada é feito para mudar as condições que nutrem as letras. Tira-se das comunidades marginalizadas a expressão mais popular, mas as políticas de combate ao tráfico são limitadas à periferia, e a violência contra a mulher é pouco combatida. Querem hinos de amor e paz, vindo daqueles que não são expostos a essas condições. Contraditório. É preciso que levem incentivos e oportunidade aos moradores dessas comunidades, um processo de inclusão efetivo deve acontecer.


E após duas décadas da música de Cidinho & Doca, o pobre continua sem seu lugar.


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