Mulheres que realmente quebraram os tabus sobre a vagina
A fim de superar os padrões estéticos impostos até para vaginas, trouxemos alguns exemplos para inspirar nossas leitoras
Nesta semana, a Folha de S.Paulo publicou uma matéria sobre mulheres que “superaram o tabu e agora buscam cirurgias para alcançar a vulva ideal”. Apesar de ter tido o título atualizado, muitas mulheres se sentiram incomodadas. Para quem não leu, já adianto que a reportagem não é sobre o paradoxo “quebra de tabu x cirurgia estética na vagina”, pelo contrário.
O texto traz alguns especialistas para esclarecer pontos sobre o procedimento e conta a história de uma mulher que decidiu fazer a cirurgia plástica na região genital. As críticas dos leitores eram dirigidas à abordagem implícita do jornal para construção de uma matéria que reforçou o discurso da beleza estereotipada feminina fantasiada de “empoderamento” e “quebra de tabus”. Afinal, se a estética da vagina não é mais um problema, por que interceder cirurgicamente na sua aparência?
As críticas também se desenvolveram entorno da relação das cirurgias estéticas femininas com o universo machista, questionaram a idealização da vagina rosada, que é uma forma de manifestar racismo; além de discutir outras formas de intervir na naturalidade da vagina, como depilação íntima, aromatizantes e flavorizantes.
“Brown 179”, The Vulva Gallery. Arte: Hilde Atalanta
A futura bióloga Juliana comentou sobre os tabus que tinha com sua vagina: Para começar que os meus lábios são muito grandes. Minha vó é depiladora e quando comecei a me depilar ela dizia que “não era normal, porque eles eram muito grandes”. Minha vulva é escura também, passei boa parte da minha adolescência achando minha vagina estranha e feia.
As relações de racismo e até pedofilia estão presentes nos estereótipos da genitália feminina. “A indústria pornográfica é uma das grandes difusoras dessas construções no imaginário masculino sobre a vagina. A idealização dela é de uma vagina juvenil, branca e com indícios de coerção. Esses fetiches acabam sendo mais sobre poder do que sobre sexo em si”.
Emanuelle Tabata (Manu) começou a ter uma relação saudável com a própria vagina aos 15 anos. “Me sentia muito desconfortável quando alguém tocava no assunto, não sabia por que a de todo mundo era rosa e a minha não”. Mas os tabus não eram sua culpa, os discursos que exigem uma estética na região genital feminina afetam as mulheres: ouço comentários dizendo que mulheres devem ter uma vagina delicada, bem cuidada, de preferência de cor rosada e sem cheiro ruim.
“Pink 77”, The Vulva Gallery. Arte: Hilde Atlanta
Dizer para as mulheres prestarem atenção ao “cheiro ruim” não é uma forma de demonstrar cuidado à saúde íntima, e sim outra forma de condenar a vagina. “Eu ouço as pessoas dizerem que ela fede bacalhau”, parece piada, mas era o que Ana escutava das pessoas. A questão do odor de peixe é tão falada que todas as entrevistadas comentaram sobre essa ofensa.
Vaginas não têm cheiro ruim, elas possuem a mesma composição que um pênis teria, o odor é decorrente da falta de instrução sobre cuidados íntimos e carência de incentivo às mulheres a conhecerem seu próprio corpo. “Meninas não deveriam mexer lá, porque não é coisa de garota comportada”, Ana, que só foi aprender a lidar com sua região íntima aos 16 anos, completa os comentários que costuma ouvir sobre a vagina.
“Não é um lugar somente atrelado às relações sexuais, é uma parte do corpo de extrema essência, por meio dela conseguimos saber como anda nossa alimentação e a imunidade”, Emanuelle reforça a importância da vagina para a saúde da mulher.
“Brown 79”, The Vulva Gallery. Arte: Hilde Atalanta
Essa região não deve ser ligada a desejos masculinos. “Quando as pessoas se limitam a pensar na vagina apenas como uma forma de agradar os homens sexualmente, estão esquecendo da importância que ela tem para um corpo em equilíbrio e estão excluindo o fato de que as mulheres podem sim sentir prazer sozinhas, ou (para aquelas que pertencem a comunidade LGBT) com suas companheiras”, Manu levanta a questão.
“O feminismo foi muito importante pra isso. Mas me tocar, não achar mais ‘errado’ me sentir, me ajudou a conhecer melhor minha vagina e a gostar mais dela também.”
Juliana começou a se masturbar depois de adulta, com cerca de 22/23 anos. Ela mostra como o contato com sua vagina a ajudou a ter uma relação mais positiva com seu próprio corpo: o feminismo foi muito importante pra isso. Mas me tocar, não achar mais “errado” me sentir, me ajudou a conhecer melhor minha vagina e a gostar mais dela também.
O senso comum em relação à vagina faz com que as mulheres se sintam cada vez mais objetificadas, como aponta Ana. “É como se ela não pertencesse à mulher e sim aos homens, como se ela servisse para satisfazê-lo”. Combater esses discursos, conhecer o próprio corpo e tomar coragem para se tocar. Isso sim é um grande avanço na superação dos tabus da vagina.
Agradecimentos da autora às entrevistadas Emanuelle Tabata, Ana e Juliana, que preferiram não revelar os sobrenomes.