“Todo poder ao povo”: a luta dos Panteras Negras
O espelho do InCultura no Dia Nacional da Consciência Negra não é uma pessoa, e sim uma causa
Em uma “feroz batalha e violenta troca de tiros”, com todas as aspas possíveis, 14 agentes policiais deflagraram mais de cem projéteis contra um apartamento em Chicago, Illinois, norte dos Estados Unidos. O principal alvo dos disparos era Fred Hampton, jovem líder revolucionário. Negro. Era contra esse e outros inúmeros exemplos de violência que matava os pretos americanos que lutavam os Panteras Negras.
Fundado em Oakland, Califórnia, no ano de 1966 por Huey Newton e Bobby Seale, o Partido dos Panteras Negras para Autodefesa tinha como princípio central o “amor infinito pelas pessoas”, e foi criado com o intuito de combater o racismo, a supremacia branca, a brutalidade policial e o genocídio e encarceramento da população negra norte-americana. Logo na concepção do grupo, foi delineado um “programa com 10 pontos”, objetivos do movimento para a comunidade preta.
Huey P. Newton, co-fundador dos Panteras Negras, com o punho para o alto e mãos fechadas. Foto: David Fenton, da Getty Images, via Huffington Post
Entre as metas principais estavam liberdade, melhores oportunidades educacionais, serviços de saúde de qualidade, empregos integrais, terras, habitação digna e o fim do assassinato à população negra.
O grande crescimento do partido em solo americano e internacionalmente tornou possível mudar as condições de vida da comunidade preta com a implementação de projetos sociais. O mais famoso e bem-sucedido programa garantia um bom café da manhã às crianças negras de escolas em comunidades marginalizadas. Eram servidas 20 mil refeições semanais.
“Usamos a pantera negra como nosso símbolo porque panteras não atacam ninguém, quando é atacada ela vai recuar. Mas se o agressor continua, então ela o ataca.” – Huey P. Newton
Em contrapartida, a expansão gradual do grupo chamou a atenção dos mais altos escalões da polícia norte-americana. O diretor do FBI à época, J. Edgar Hoover, temia a ascensão do partido, e para combatê-la criou a COINTELPRO (Programa de Contra Inteligência), operação secreta de espionagem para “desmascarar, perturbar, desorientar, desacreditar ou, caso contrário, neutralizar” os Panteras Negras.
A sobrevivência do movimento era possível com a veiculação do jornal impresso “A Pantera Negra”. Todos os processos de produção, impressão e logística eram realizados pelos próprios membros do grupo, e as edições eram vendidas em diversas cidades dos EUA por 25 centavos de dólar. O jornal possuía o plano de 10 pontos, além de trazer as notícias mais relevantes do partido e obras artísticas que retratavam o cotidiano da população preta. Em seu auge eram comercializadas 100 mil edições semanais.
Galeria de fotos que trazem recortes de capas e páginas emblemáticas do jornal "A Pantera Negra". Fotos: Reprodução/Pinterest, Catraca Livre, Medium, UCSB e Harsh Forms
"Free Huey!"
Co-fundador e líder do Partido dos Panteras Negras, Huey Percy Newton foi preso em 1967 sob acusação de matar o policial John Frey. Após o tiroteio, Huey foi levado a um hospital em estado grave e permaneceu algemado a uma maca, sob vigia de vários agentes da polícia.
Como resultado de sua prisão, o escritor e Ministro da Informação dos Panteras Eldridge Cleaver assumiu a liderança do grupo e exigiu a libertação de Huey Newton. Era criado o grito de guerra “Free Huey”, ou “Liberte Huey”, que mobilizou milhares de negros pelas ruas em um movimento pedindo sua liberdade.
Mobilizações exigiam a liberdade de Huey Newton, preso em 1967 e liberto apenas em 1970. Foto: David Fenton, da Getty Images, via Huffington Post
Algum tempo após sair da prisão, Huey acabou rompendo suas relações com o então líder Eldridge, o que rachou o movimento em duas facções, facilitando a concretização dos planos do FBI de acabar com o partido e suas atividades.
Na década de 1970 se formou em Direito pela Universidade da Califórnia e se tornou doutor em Filosofia pela Universidade da Califórnia em Santa Cruz. Foi assassinado a tiros em 1989, e se transformou em uma grande referência da cultura preta norte-americana.
Cleaver e a expansão internacional dos Panteras
O ex-escritor e ativista político Leroy Eldridge Cleaver passou à posição de principal líder do Partido dos Panteras Negras em 1967, e foi o responsável pelo ganho de adeptos em outros países. Após a eleição de Richard Nixon para presidente dos EUA em 1968, os casos de repressão policial e brutalidade contra negros ficaram cada vez mais frequentes, e após um caso que resultou no assassinato de um jovem preto pela polícia, Cleaver foi para a Argélia.
Em seu exílio, expandiu o movimento e formou alianças com outros ativistas políticos que tinham o mesmo sentimento antiamericano dos Panteras, tornando-se Chefe da Seção Internacional do partido. Eldridge permaneceu no Partido dos Panteras Negras até 1971.
Eldridge Cleaver, escritor, ativista político e líder do partido no fim da década de 1960. Cleaver faleceu em 1998. Foto: Reprodução/CNN
Angela Davis, ativista do partido e ícone do Feminismo Negro
Angela Yvonne Davis é professora, ativista, filósofa, comunista e feminista, conhecida mundialmente pela sua luta política e por ter realizado estudos sobre desigualdade racial, de gênero, e sobre o modelo carcerário atual. Na década de 1970, integrou-se ao Partido dos Panteras Negras e ao Partido Comunista dos Estados Unidos.
Angela Davis em sua participação no documentário “A 13ª Emenda”, que aborda o sistema de encarceramento em massa dos EUA como forma de escravidão moderna. O longa se encontra disponível na Netflix. Foto por: Kandoo Films e Netflix, via Vogue
Na mesma década de 1970, Davis foi presa acusada de conspiração, sequestro e homicídio. Sua prisão mobilizou toda comunidade negra americana, além de movimentos internacionais, sob o lema “Free Angela Davis”. A ativista foi inocentada de todas as acusações 18 meses depois de ser encarcerada.
Davis é hoje um dos grandes expoentes mundiais sobre estudos que envolvem os preconceitos de raça, gênero e classe, e uma das maiores defensoras da maior propagação do Feminismo Negro.
“Mãe Stela de Oxossi me falou sobre a importância das mulheres negras na preservação das tradições do candomblé. Vi a importância de Dona Dalva para manter a tradição do samba de roda no Recôncavo Baiano. As mulheres dos EUA têm muito a aprender com a longa história de luta do Feminismo Negro no Brasil.” – Angela Davis durante palestra na Universidade Federal da Bahia
Um dos conceitos que Davis defende em seu livro “Mulheres, Raça e Classe”, é o de que não deve ser dado prioridade à uma categoria oprimida em detrimento de outra. Raça, gênero e classe social conversam entre si, relacionam-se e criam novas formas únicas de opressão.
A luta feminista negra é fundamental por valorizar as mulheres negras no geral e em especial as mais pobres, além das LGBT+ e portadoras de deficiência.
O assassinato brutal de um jovem líder
Um dos maiores temores de J. Edgar Hoover e uma das metas da COINTELPRO era prevenir a ascensão de um “messias” no partido dos Panteras. E para o FBI, essa figura era Fred Hampton. Vice-presidente dos Panteras Negras em Illinois, Hampton perpetuou o símbolo do movimento e da luta preta por igualdade racial, o ato de levantar a mão fechada para o alto.
Dono de excelente oratória, trazia em seus discursos palavras espontâneas que inspiravam outros negros a lutarem pelos ideais do partido e defenderem os irmãos discriminados.
Fred ganhou destaque como grande liderança da mobilização que pedia a libertação de Bobby Seale, presidente do partido à época e preso em 1968, em Chicago (em uma dessas audiências Bobby foi mantido amordaçado no tribunal por ordem do juiz, que negou a ele o direito de se defender com a presença de um advogado).
Fred Hampton, jovem liderança do partido em Chicago. Foto via post de David Love, do Atlanta Black Star
Hampton foi morto em 4 de dezembro de 1969 em uma covarde e ação policial liderada por Edward Hanrahan, procurador do condado de Cook (uma das subdivisões territoriais do Estado de Illinois). Hanrahan e os demais policiais envolvidos foram absolvidos de seus crimes anos mais tarde.
Panteras eternas
Os Panteras Negras marcaram época não apenas por combaterem o genocídio contra os negros, mas por confrontarem Polícia e Governo americanos que mantinham tais posturas racistas, além de instituírem projetos sociais que melhoraram a vida de muitos pretos marginalizados. O partido se tornou icônico na história norte-americana e mundial na luta pela igualdade racial e pela garantia de direitos civis às minorias.
“Você pode prender revolucionários, mas não pode prender a revolução. Você pode expulsar um libertador do país, mas não pode expulsar sua libertação. Você pode matar um lutador da liberdade, mas não a luta pela liberdade.” – Fred Hampton
Para conhecer com mais detalhes a história do Partido dos Panteras Negras e de seus principais líderes, além de assistir depoimentos de antigos membros do grupo, o InCultura recomenda o documentário de Stanley Nelson “Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução”, lançado em 2015 e que hoje se encontra no catálogo da Netflix.