Uma narrativa de resistência
A história de Sidney Poitier, primeiro negro a vencer o Oscar de Melhor Ator
“Uma longa jornada até este momento.” As palavras que iniciaram um enunciado breve e inesperado, resumem a trajetória de alguém que, durante toda vida, percebeu que seria discriminado simplesmente por ser preto. Era 13 de abril de 1964 e aquela noite entraria para a história do cinema.
Em um discurso realizado após premiação com a estatueta do Oscar, Sidney Poitier demonstrava estar tão surpreso quanto emocionado. O primeiro negro a ganhar o prêmio de melhor ator da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, passou por uma longa estrada de resistência dentro do universo do cinema até chegar àquele auge.
Sidney Poitier agraciado com a estatueta por atuação no filme “Uma Voz nas Sombras”, de 1963. Foto por Associated Press Images, via Arizona Daily Star
Poitier nasceu em Miami, mas cresceu nas Bahamas, com uma família de agricultores sustentada pelo cultivo de tomates. Aos 16 anos mudou-se para Nova Iorque, e conseguiu um emprego lavando pratos.
Seu sonho de atuar começou a ser construído após uma seleção no American Negro Theatre. Mesmo sofrendo preconceito ao ser rejeitado por seu sotaque bahamense e dificuldades de leitura, empenhou-se em treinar sua dicção ao imitar locutores de rádio norte-americanos, para que pudesse ser aceito.
Sidney Poitier recebendo a Medalha da Liberdade, concedida pelo ex-presidente norte-americano Barack Obama, em 2009. O ator foi homenageado por suas interpretações que mostram “a tragédia do racismo”. Foto por Chip Somodevilla, da Getty Images, via Zimbio
Pouco tempo depois, o mesmo teatro garantiu-lhe um emprego no setor de manutenção, em que aulas de interpretação serviam como parte do pagamento. Após nova tentativa, enfim foi selecionado pela companhia de teatro.
Poitier é um símbolo de resistência negra não apenas pelo que ganhou no seu auge como ator. Desde o início da carreira, recusou papéis que reforçavam estereótipos da população preta e o racismo. Em sua estreia nos cinemas, interpretou um médico em “O Ódio é Cego” (1950). “Acorrentados” (1958), que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, reservou a Poitier papel de protagonista em um filme que criticava abertamente o racismo.
Tony Curtis contracenando com Poitier em “Acorrentados”, do diretor Stanley Kramer. Foto: Reprodução/Maníacos por Filme
Mas foi “Uma Voz nas Sombras” (Lilies of the Field), filme de 1963 e dirigido por Ralph Nelson, que reservou a glória máxima ao artista, interpretando um viajante que se encarrega de construir uma capela. Ao receber a estatueta das mãos de Anne Bancroft, o simples gesto de cumprimentá-la com um beijo no rosto causou reações racistas de reacionários na época.
Demonstrando então mais um ato de resistência contra o preconceito, Poitier contracenou com Katharine Houghton em “Adivinhe Quem Vem Para Jantar”, longa de 1967 que conta a romântica história de um casal inter-racial apaixonado.
Poitier e Katharine Houghton em “Adivinhe Quem Vem Para Jantar”. Foto por Getty Images, via Huffpost Brasil
A premiação de maior prestígio do cinema mundial, entregue por uma Academia formada por 94% de membros brancos, contemplou, até hoje, apenas cinco pretos como melhor ator e atriz. Após Poitier, passaram-se 38 anos até que outro negro voltasse a ganhar uma estatueta na categoria, com a vitória de Denzel Washington, em 2002. Dentre as atrizes negras indicadas ao prêmio máximo, somente Halle Berry foi vencedora, no mesmo ano.
Esses dados mostram que a vitória de Sidney Poitier é um marco na história da premiação, o racismo estrutural ainda vigente impede que outros negros consigam brilhar no Oscar, e reforçam a importância do renomado ator dentro de Hollywood, que fez de sua carreira tanto artística quanto política.