A censura do nu
A exposição do corpo feminino sofre fortes censuras mesmo diante de tantas evoluções da humanidade
Brasil, o país dos menores biquínis, mas com muito pudor em relação ao corpo da mulher. Por que o nu feminino é tão censurado? Por que ainda é tão difícil falar sobre a sexualidade e a sensualidade feminina?
Giovanna Fernandes, mulher de corpo, alma e espírito, que vive intensas transcendências em busca de paz. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Em uma sociedade patriarcal como a nossa, a nudez é sempre bem-vinda nos contextos eróticos para o prazer masculino; compartilhar piadas sexistas com fotos de mulheres nuas no grupo do WhatsApp é cômico, mas amamentar em público é um alvoroço; fotos de mamilo feminino em redes sociais banem usuárias.
O corpo é algo singular, complexo, estudado de ângulos biológicos e espirituais, retratados de diferentes modos nas evoluções da Arte, mas mesmo assim, há inúmeros tabus tachados na sexualidade do nu feminino. Uma foto basta para julgamentos do nosso inconsciente virem à tona, por mais desconstruídos que somos, ainda sentimos estranheza ao nos deparar com determinada exposição.
“Mulher-luz” Barbara Catarina Sanches. Em seu braço, a Deusa Vênus, protetora da beleza e do amor. Foto por: Milene Comelli
O corpo da mulher sempre foi muito retratado na Arte ao longo dos mais diversos períodos, e o mais comum de se ver ao visitar um museu são obras com figuras nuas femininas. Penelope Curtis, historiadora de arte e diretora do Museu Gulbenkian, leva para um debate público um discurso sobre a presença feminina nos museus, incentivando a produção de mulheres nessa área cultural. “É fácil usar o argumento de que as coleções são como são e que nelas há muito mais representações de mulheres nuas do que homens, que nelas há mais homens artistas que mulheres. Isso é verdade e tem uma explicação histórica, mas também é verdade que é possível fazer muito mais quanto às artistas que temos expostas”.
Ana Carolina Schalia, mulher bissexual, que demorou a reconhecer suas vontades. Atualmente, retrato representativo de autoaceitação. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Agimos com naturalidade ao ouvirmos a famosa frase “manda nudes”, mas nos chocamos ao ver um nu artístico, ou exposições que explorem a sexualidade. Proibimos mulheres de questionarem e compreenderem o prazer por trás de seus próprios corpos e achamos que a educação sexual não é importante. Mas julgamos uma mulher pela roupa que veste, a condenamos se um cara “vaza um nude”, afinal, “ninguém mandou se expor”. Entretanto, se é a própria mulher quem publica tais fotos, “ela é vulgar, quer se exibir e receber mais curtidas”. No pensamento do homem privilegiado jamais passa o raciocínio que uma mulher pode amar e admirar o próprio corpo, que uma pessoa pode sentir uma conexão espiritual consigo mesma, pode se sentir sexy e confortável para mostrar isso ao mundo.
Com 12 anos, Gabriela Gomes fez uma cirurgia que a deixou com 26 pinos e uma cicatriz nas costas, símbolo de sua luta e vitória. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Em uma sociedade que sempre tentou controlar os corpos femininos, com estereótipos de corpos irreais, com 95% das mulheres desejando mudar algo no próprio corpo, segundo levantamento realizado pela Sophia Mind, empresa voltada à pesquisa e inteligência de mercado feminino, amar sua imagem é um ato de força, coragem e amor.
Esse ato é ainda mais reforçado quando se é mulher afro, em uma cultura social que estereotipa, objetifica e hipersexualiza o corpo negro. Persiste ainda a ideia de que mulheres negras devem estar sempre a serviço do homem branco, possuem um corpão cheio de curvas, são pedaços de carne da cor do pecado, sendo portanto, promíscuas.
Leticia Rachel, mulher negra, já sofreu inúmeros preconceitos, mas hoje, resta-lhe apenas plenitude e orgulho em relação ao próprio corpo. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
É necessário compreender que os corpos das mulheres são reais, diferentes entre si, com imperfeições naturais de qualquer ser biológico. Assim, é preciso desmistificar aquele corpo padrão de filmes e revistas pornôs, porque o nude é algo autêntico, não o prazer engessado que é vendido para o público masculino.
Voltemos, pois, às perguntas iniciais, por que o nu feminino é tão censurado? Por que ainda é tão difícil falar sobre a sexualidade e a sensualidade feminina? Um corpo nu nunca é apenas um corpo nu, ele traz consigo histórias de vida, essência de compreensão entre interno e externo, a divindade de seu próprio existir. Algo tão natural, fonte de arte, poesia, prazer, metáforas, mas ainda mantido em sigilo e banido por conter mamilos femininos, é tão fácil vender o corpo de uma mulher, mas a sua natureza é considerada inútil.