O florescer de uma identidade
A história de irmãos nigerianos que redescobrem suas raízes
À primeira vista, “Hibisco Roxo” trata-se de um drama familiar, mas ao aprofundar a análise do livro, notamos uma narrativa sobre resistência e autodescoberta. Kambili é a protagonista, uma adolescente de família rica na Nigéria. Mas a história se desenvolve a partir dos comportamentos agressivos e conservadores, no geral, de seu pai, Eugene.
O livro, uma das obras da escritora Chimamanda, começa de forma nebulosa, não somos apresentados a qualquer antecedente da história da família, o leitor pega a embarcação da narrativa em movimento. Nossa impressão inicial, de que naquela casa, mãe e filhos não têm espaço para manifestações, é certeira. Eugene é dono de fábricas e trabalha no jornal “Standard”, mas sua principal definição está em sua fé inabalável nos dogmas da Igreja Católica e em sua veia ditadora e abusiva.
“Hibisco Roxo”, primeiro romance publicado pela escritora nigeriana. A obra foi vencedora do Prêmio Commonwealth Writers, em 2005, na categoria Melhor Primeiro Livro. Foto: Reprodução/Instagram “As Leitoras”
Percebemos um pai perfeccionista em relação aos filhos e violento com sua esposa, Beatrice. Ela, por sua vez, que aparece com “misteriosos” hematomas no corpo, está sempre calada. Porém, o silêncio já é o som ambiente da casa, como Kambili, a narradora-personagem, diz: “falamos mais com o espírito do que com os lábios”.
A rotina do lar é administrada por um cronograma que inclui as refeições, hora de as crianças estudarem, momentos de oração e hora da leitura de jornal. Eugene adotou o catolicismo como a única forma de viver, e não tolera as práticas culturais oriundas da Nigéria. Ao mesmo tempo que é conservador nesse aspecto, ele possui uma visão política progressista, em pleno período de golpes de Estado e censura no país, pouco depois da independência nigeriana, em 1960.
Chimamanda Ngozi Adichie. Foto: Reprodução/Site oficial da escritora
A narrativa sai dos eixos com a chegada do mês do Natal, em que a família vai para a cidade de origem de Eugene e passa a conviver mais com outros parentes. É neste momento que somos apresentados a uma das mais importantes personagens, a tia Ifeoma, professora universitária, mãe solo e empoderada.
Ifeoma, assim como Eugene, é católica, mas está longe de pensar como o irmão, não se desapropria de sua cultura e não endeusa hábitos europeus. Ela será responsável pela mudança dos seus sobrinhos Kambili e Jaja. Após passar alguns dias na casa da tia, as crianças começam a conviver com os primos, avô e as raízes nigerianas, com a qual eles se identificam. O problema a partir de agora é como lidar com Eugene e suas imposições.
Símbolo da “Universidade da Nigéria, Nsukka”, onde trabalha a personagem fictícia Ifeoma. Foto: Reprodução/Campus Tori
No livro encontramos alguns símbolos que não são explicados literalmente, portanto, apesar da leitura fluida e gostosa, precisamos ficar atentos a significados subjetivos. É possível relacionar, por exemplo, o Hibisco Roxo à tia Ifeoma, pois esta é uma flor de coloração rara, uma planta linda e de fibras fortes, como bem descreve a personagem.
“Hibisco Roxo” nos apresenta a Nigéria como nunca vimos antes, não reforça o estereótipo de “país miserável”, ao mesmo tempo que não esconde problemas sociais. Introduz o leitor a conhecer de maneira naturalizada os costumes do cotidiano nigeriano, além de nos fazer participar do processo de autodescobrimento dos irmãos. A leitura permite viver um misto de sensações de raiva, esperança e anseio por mudanças.