Assédio na Copa 2018
Onda de vídeos machistas reverberam na internet e ridicularizam jornalistas e torcedoras
Não se discutia a relação da mulher no universo do esporte desde março, quando jornalistas esportivas lançaram a campanha #DeixaElaTrabalhar, para combater o assédio acerca das repórteres. Entretanto, o vídeo que se tornou viral nas redes sociais nesta semana, em que torcedores da seleção brasileira assediam uma mulher russa, trouxe novamente essa temática para as discussões.
As jornalistas que participaram da campanha de março fazem parte de uma imensa lista de mulheres que são vítimas de assédio no cenário esportivo. Apenas durante o período do início Copa de 2018 até agora, o que contabiliza pouco mais de uma semana, cinco casos tiveram uma considerável notoriedade.
A russa assediada no vídeo é Alena Popova, e está em busca de seus direitos. Ela é ativista social, luta contra a desigualdade de gênero em seu país e abriu uma petição online a ser encaminhada à Embaixada Brasileira em Moscou e ao Ministério de Assuntos Interiores Russo, para que as devidas punições sejam aplicadas aos torcedores envolvidos, que já foram identificados.
Charge que denuncia o caso de assédio de Alena. Imagem: Reprodução/M de Mulher
Entre os homens do vídeo estão: o engenheiro Felipe Wilson, que foi demitido pela companhia aérea Latam Airlines por seu delito; o tenente Eduardo Nunes, da Polícia Militar de Santa Catarina, que abriu um processo administrativo disciplinar contra ele; Diego Valença Jatobá, advogado e ex-secretário de Turismo, Esporte e Cultura de Ipojuca (PE); engenheiro civil Luciano Gil Mendes Coelho, preso em 2015 pela PF, que investigava o desvio de dinheiro público e fraudes em licitações na Prefeitura de Araripina (PE). Algumas das instituições em que trabalhavam divulgaram notas de repúdio ao caso.
Uma matéria publicada pela Folha de São Paulo, dia 20, indica a formação acadêmica dos homens identificados, e nota-se que se trata de indivíduos abastados e pertencentes a uma parcela da elite brasileira. Os altos cargos e pós-graduações não contribuíram para a desconstrução de uma cultura misógina. Na mesma reportagem, Luciano Gil desculpa-se pelo ocorrido, mas responsabiliza o álcool por suas atitudes.
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Apenas um dia depois do caso de Alena, outro vídeo similar foi compartilhado, mas desta vez teve menos repercussão. Novamente torcedores brasileiros pedem para que três mulheres estrangeiras repitam frases machistas e que fazem alusão a suas genitálias, um dos homens envolvidos foi identificado como Thiago Botelho, empresário de Minas Gerais.
O conteúdo dos vídeos
A similaridade do conteúdo dos vídeos é assustadora. Como se fosse uma tendência maluca e sexista, ambos foram compartilhados em um período próximo e possuem a mesma narrativa, torcedores da seleção brasileira abordando estrangeiras e pedindo para que elas reproduzam frases obscenas que referem-se a suas genitálias.
Ao analisar o contexto podemos notar a presença de uma violência covarde e enrustida, que não apenas utiliza a internet para blindar os assediadores, como também aproveita o fato dessas mulheres não conhecerem a língua portuguesa. Certamente se soubessem do significado não teriam reproduzido as frases, mas essa vulnerabilidade estabeleceu o cenário perfeito para inflar o ego frágil de homens misóginos que precisam de reafirmação.
A segunda observação que não pode passar despercebida, que também foi notada pela jornalista Isabela Reis, é a fetichização e hipervalorização da vagina cor-de-rosa da mulher branca, citada em ambos os vídeos, em detrimento da vulva de cor escura. A superficialidade do conhecimento sobre sexo e o corpo feminino criou estereótipos de beleza até para sua região íntima, que, por conseguinte, marginaliza e desvaloriza a mulher negra.