Cultura violenta dos trotes universitários
A relação dos trotes com naturalização de violência no País e preconceitos estruturais
É o início de mais um semestre, e com ele inúmeros casos de trotes universitários violentos voltam à tona. Em “O trote na universidade: passagens de um rito de iniciação”, o autor Antônio Zuin define a prática no trecho que diz que “o calouro é domesticado pelo veterano por meio de práticas vexatórias para esclarecer e demarcar quais são as características das identidades dos novatos e dos veteranos”.
De acordo com o psicólogo Raul Aragão Martins, coordenador da Comissão de Prevenção à Violência da UNESP, os trotes violentos no Brasil estão relacionados à naturalização da violência no país, em especial contra minorias sociais, e a uma teoria sobre desengajamento moral da Psicologia da Moralidade, que explica as consequências da falta de empatia e identificação entre indivíduos.
São esses mecanismos inconscientes, junto à banalização da violência, que explicam porquê muitos calouros vítimas de humilhação levam a situação na brincadeira, perpetuando o trote como um ritual de passagem obrigatório durante anos nas instituições de ensino.
Mural da Unesp de Araraquara expõe manifestação contra trote violento com mulheres gordas, em 2010. Foto: Reprodução/Folha de São Paulo
Neste ano, um caso na Universidade de Franca (Unifran) envolvendo alunos do curso de Medicina, está sendo investigado pelo Ministério Público, em que calouras foram obrigadas a ficarem de joelhos em frente a um estudante de medicina e jurarem nunca recusar “uma tentativa de coito” a um veterano do curso.
As jovens tiveram que repetir frases como: “juro solenemente nunca entregar o meu corpo a nenhum invejoso, burro, trouxa da Odonto”. Após a divulgação do vídeo desse momento, uma aluna da Unifran comentou que foi obrigada a passar por esse mesmo juramento no seu trote em 2015, reafirmando a cultura violenta que perpetua-se ao longo dos anos.
Em 2010, um caso que ocorreu no Campus Araraquara da Unesp ganhou grande destaque e ficou conhecido como “Rodeio das Gordas”. Nele, um rapaz se aproximava de uma mulher, agarrava-a e “montava” em cima dela, enquanto os outros participantes cronometravam para competir quem ficava mais tempo em cima da vítima.
Enquanto a mulher era agarrada, os homens que assistiam gritavam “escolhi você por ser a garota mais gorda que já encontrei”, “pula, gorda bandida”. Os que ficavam mais tempo em cima das vítimas ganhavam uma camiseta e uma caneca oficial do “Rodeio das Gordas”.
Após investigações do Ministério Público, o estudante universitário identificado como o criador do trote foi condenado por danos morais a pagar trinta salários mínimos, cerca de R$ 20 mil, ao Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos Lesados.
Diante de tantos casos de trotes violentos e humilhantes, muitas universidades estão apostando no “trote solidário”, em que veteranos e novatos socializam enquanto fazem serviços sociais, como visitar creches ou arrecadar alimentos.
O primeiro trote solidário surgiu na Unicamp em 2003, quando os alunos participaram de uma atividade de conscientização de reciclagem em uma cooperativa na comunidade. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os estudantes são convidados a participar de atividades culturais, discussões sobre a cidadania e passeios em locais da Instituição.