Direitos territoriais dos indígenas
A demarcação das terras é um instrumento essencial para proteger a população indígena e preservar a região amazônica
De acordo com Art. 231 da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas têm direito às terras consideradas “originárias”, ou seja, que eram habitadas por índios antes da formação do próprio Estado, sem a necessidade de reconhecimentos oficiais. Para determinar que um território corresponde a esse perfil, é necessário que ele esteja ocupado por indígenas permanentemente, de modo que sua extensão seja essencial para suas atividades produtivas, para a preservação dos recursos necessários ao seu bem-estar e para a sua reprodução física e cultural enquanto etnia. Com os elementos que caracterizam uma terra indígena (TI) estabelecidos, seria responsabilidade do próprio Governo Federal a identificação, demarcação e monitoramento dessas áreas.
Os passos para a regulamentar uma TI se dividem em cinco etapas realizadas sob a tutela da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Justiça e Governo Federal: primeiro, a Funai nomeia um antropólogo para fazer os estudos de identificação da área, que ao final elabora um relatório, que deverá ser aprovado pela própria Funai; após a aprovação e com o relatório publicado no Diário Oficial da União, há um período de 90 dias para contestação do relatório; o processo é encaminhado ao Ministério da Justiça, que, em caso de reconhecimento da TI, deve declarar seus limites, para então ser feita a demarcação física da área e, por fim, a homologação pela presidência da República. Atualmente, cerca de 14% do território brasileiro é ocupado por populações indígenas, distribuídas entre 721 territórios, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA).
Indígenas acompanham julgamento no Supremo Tribunal Federal a respeito das reservas Nambikwára e Parecis e do Parque Nacional do Xingu. Foto: Reprodução/Instituto Socioambiental
Mesmo com regras bem definidas, conflitos que envolvem os povos indígenas e a iniciativa privada impedem que as TIs sejam regulamentadas com maior agilidade, e são comuns casos como o do Santuário dos Pajés, situado a noroeste do DF, que teve 32 hectares de território reconhecidos após 13 anos de disputas judiciais entre a comunidade indígena da região e entidades estatais.
Além das disputas na Justiça, os povos indígenas têm seus territórios constantemente ameaçados, mesmo os que já foram homologados. Segundo dados do relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil” de 2016, publicado pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), foram registrados 59 casos de invasões possessórias, exploração ilegal ou danos ao patrimônio nesse ano. Há também os casos de conflitos armados, comuns no Mato Grosso do Sul, que costumam resultar em massacres contra indígenas.
Com a maior influência da bancada ruralista no Congresso Nacional, o processo de demarcação das TIs tornou-se ainda mais lento nos últimos anos. No ano passado, enquanto enfrentava um processo por corrupção passiva e dependia dos votos da Câmara dos Deputados para o arquivamento da denúncia, Michel Temer assinou parecer que limitou as demarcações apenas para territórios que estivessem sob posse de comunidade indígena a partir da Constituição de 1988. Segundo entidades indigenistas, muitos povos foram expulsos de suas terras antes da promulgação da Constituição, ainda na ditadura militar.
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Segundo o Cimi, nenhuma TI foi homologada durante o governo Temer, e a previsão é de que os processos se arrastem mais durante o governo de Bolsonaro. O presidente eleito já afirmou que, a depender dele, não haverá mais demarcação de terra no Brasil, e que os territórios indígenas estão “superdimensionados”, sem considerar que as áreas são delimitadas conforme as necessidades de subsistência das comunidades.
Com a completa paralisação das demarcações, entidades indigenistas temem que os conflitos violentos se intensifiquem nas regiões que esperam por regularização (atualmente, cerca de 130). Em entrevista ao El País, Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, afirmou que "há um risco muito grande de aumento desses conflitos em todo o país. Se o presidente não demarca a terra, os índios não vão desistir da luta pelo território, que já dura décadas". Outro fator que pode agravar as disputas é a regulamentação do porte de arma no campo.
Junto aos direitos constitucionais dos povos indígenas, a questão ambiental também seria afetada com o enfraquecimento dos processos de demarcação, já que 98% das TIs estão dentro da Amazônia Legal, região que concentra a maior parte das riquezas naturais remanescentes. A iniciativa privada, portanto, ganharia mais espaço para explorar áreas que ainda não foram completamente regularizadas, ou mesmo invadir aquelas já homologadas, se a Funai não realizar a proteção dos territórios (que, com a falta de recursos destinados à entidade, é um cenário provável).
Para ilustrar melhor a situação da Amazônia, segundo vídeo publicado no canal da Agência Pública, cerca de 15% da área já foi desmatada, mas dentro das comunidades indígenas, a proporção de desmatamento é 11 vezes menor, além de concentrar ¼ das áreas preservadas. A demarcação de terras indígenas, portanto, é um passo essencial para a preservação da mata e de outros recursos naturais, constantemente ameaçados pela extração de madeira, plantio de monoculturas, mineração e garimpo ilegal.