Racismo e o psíquico do negro
Como as experiências racistas auxiliam no adoecimento psicológico da população negra
Ainda que sejam a maior parte da população brasileira, os pretos ainda estão em maior condição de vulnerabilidade. São a maior parte dos mortos, representam 71% dos homicídios no País, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Fazem parte de um grupo marginalizados e não possuem acessibilidade para o cuidado da saúde, seja física ou psíquica.
Ao pensar em saúde, pouco se lembra das questões psicológicas, entretanto o bem-estar psíquico influencia na forma como uma pessoa se colocar no mundo. Os problemas relacionados ao psicológico podem desenvolver doenças como depressão e ansiedade. As questões de cunho racial estão ligadas a como os negros vão formar sua psique e em como vão significar as violências sofridas no cotidiano.
Na década de 1980, começa um movimento que traz enfoque para intervenções do psicólogo nas questões raciais. Um marco desse momento é a publicação do livro “Tornar-se Negro: as vicissitudes da identidade do Negro Brasileiro em Ascensão Social”, por Neusa Santos Souza. Ambos doutores em psicologia social, Lia Vainer e Hildeberto Vieira, em seu artigo “A psicologia e o Discurso Racial sobre o Negro”, afirmam que o livro “traz um olhar analítico para os efeitos da ideologia do embranquecimento e do racismo na construção da subjetividade do negro brasileiro. E através de análises minuciosas o racismo é compreendido como uma violência no corpo e na subjetividade negra, já que nossa sociedade construiu a noção de belo, harmônico, e por fim de humano a partir dos parâmetros brancos”. Neusa começa a levantar questões sobre com a padronização e o racismo influenciam psiquicamente no indivíduo negro.
Pesquisadora na área de Filosofia Política e feminista, Djamila Ribeiro. Foto: Marlos Bakker
Djamila Ribeiro, em seu livro “Quem tem medo do feminismo negro?”, fala sobre um dos mecanismos de defesa que os pretos usam: a recusa de se relacionar afetivamente com pessoas brancas já que eles estão cansados de sofrer racismo em relações inter-raciais. Outro mecanismo usado é quando o próprio negro faz piadas pejorativas e racistas consigo mesmo. Ao olhar para essas questões com um olhar psicológico, pode-se enxergar que esses mecanismos só são criados por seres que estão em sofrimento e que precisam, de alguma forma, se defender dos ataques que vivem todos os dias.
A psicanalista Maria Lucia da Silva, em uma entrevista para o Geledés (Instituto Nacional da Mulher Negra Brasileira), afirma que “não há um sujeito negro que não seja atravessado pelo racismo e que de alguma maneira, consciente ou não, vá viver efeitos produzidos pelo racismo”. A partir disso, compreende-se que as vivências do racismo vão chegar ao consultório mesmo que não sejam conscientes, portanto abre-se espaço para o questionamento: os psicólogos, em sua maioria brancos, estão preparados para lidar com os sofrimentos oriundos do racismo?
Na mesma matéria, Adrianna Barbosa, fundadora do Feira Preta, conta ter sentido dificuldade em fazer terapia com profissionais brancos já que eles não sabiam muito sobre o racismo e suas estruturas. Diz que uma de suas terapeutas tentava entrar em suas questões referentes a negritude, mas não tinha o aprofundamento necessário para dar devolutivas para isso. Sendo assim, é atendida apenas por profissionais negros já faz três anos.
O Conselho Regional de Psicologia (CRP) lançou em 2017 uma cartilha chamada “Relações Raciais: referências técnicas para atuação de psicólogas(os)”, em que é fornecido informações sobre o racismo no Brasil desde o tempo colonial e também dispõe de conselhos para terapeutas que forem atender indivíduos negros. A cartilha encara como racismo, e não como fobia ou perseguição, quando um paciente preto diz que se sente incomodado em um ambiente majoritariamente branco, por exemplo.
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Com o intuito de fornecer acolhimento, consciência e atendimento psicológico, foi criado em 2016 a Roda Terapêutica das Pretas. O grupo é formado apenas por psicólogas negras, que possuem diferentes abordagens e visões de psicologia, porém todas elas procuram produzir uma psicologia com recorte racial já que não obtiveram isso em suas graduações.
Elas atendem em São Paulo e usam a terapia em grupo como forma de demonstrar para as mulheres negras que as experiências vindas do racismo são coletivas. Em uma palestra para a Universidade São Caetano do Sul, as psicólogas afirmaram que esse tipo de terapia é enriquecedor por fazer com que as pacientes consigam adquirir consciência de sua negritude e da discriminação sofrida, tornando-se mais fortes para conseguir lidar com essas questões. Além disso, o sentimento de acolhimento ao contar sobre seu sofrimento para outras pessoas negras é gratificante, pois não há o medo de ser julgado e nem discriminado.
Outro ponto interessante da Roda Terapêutica das Pretas é sua disponibilidade para fazer palestras, rodas de conversa e participar de eventos com foco racial. É importante que as graduações de psicologia comecem a pensar nas questões raciais com mais atenção e passem a introduzi-las em suas grades. A presença de mulheres negras e feministas dispostas a dialogar com alunos de psicologia é transformador, uma vez que esse assunto ainda não é discutido devidamente no meio acadêmico.