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Músicas representativas de 2018

Gabriel Caldeira

Artistas ligados a minorias sociais expõem suas vivências e dão caráter político aos seus projetos

 

2018 foi um ano proeminente para a música, tanto nos cenários internacionais quanto no Brasil. Acompanhando as crises e conflitos políticos que marcaram o ano, artistas negros, LGBTQ’s e feministas incorporaram às suas obras críticas e contextos sociais, utilizando o espaço no meio artístico para transmitir mensagens, com foco nas suas vivências enquanto minorias sociais. Nesta lista abaixo, o InCultura reúne alguns desses lançamentos mais relevantes.


Lançamentos internacionais


Janelle Monáe - “Dirty Computer” / R&B, Hip-hop, Neo-soul

Atlantic Records, 2018


Janelle Monáe é uma estrela em ascensão. Atriz em dois filmes premiados (Moonlight e Estrelas Além do Tempo), ela se destaca, principalmente, no âmbito musical, e em seu mais recente projeto alcança patamares artísticos e de notoriedade que ainda não havia atingido.


Dirty Computer é um álbum em que Monáe exercita ao máximo sua capacidade de comunicar, mas sem abdicar do caráter conceitual e particular que permeia sua obra. É um álbum político, acessível, pessoal, abrangente e significativo, tudo ao mesmo tempo. Em entrevista ao produtor Ebro Darden, ela descreve Dirty Computer como “uma conversa que eu quero ter conosco enquanto sociedade, enquanto seres humanos, e o que quer dizer contar à alguém que sua própria existência a faz adquirir bugs e vírus (em referência ao tema futurista do álbum), seja ela uma pessoa queer, mulher, pobre”.


Nessa mistura de sonoridades populares, conceito sci-fi (reforçado por um projeto visual que acompanha o disco) e discursos atuais, Monáe se apresenta como uma artista que superou muitas de suas inseguranças. Ao assumir sua sexualidade e identidade visual, devolve ao mundo tudo aquilo que a fez crescer, na esperança de transmitir confiança ao público que se identifica com sua música, e crítica a quem se incomoda com sua relevância no cenário pop.


Melhores faixas: Screwed; Django Jane; Pynk; Make Me Feel.


Car Seat Headrest - “Twin Fantasy (Face to Face)” / Indie rock

Matador Records, 2018


Quando Twin Fantasy foi originalmente lançado no Bandcamp, em 2011, recebeu pouca atenção. No dia que foi ao ar, cerca de 100 pessoas baixaram gratuitamente o sexto projeto da carreira de Will Toledo, à época um garoto de 19 anos que carregava sozinho o Car Seat Headrest, que começou como uma “banda de um homem só”, em que Will gravava desde as partes mais sutis do instrumental até os vocais.


Mas mesmo com a pouca repercussão inicial, Twin Fantasy conquistou mais e mais fãs ao longo dos anos. O disco, que Will definiu ao site Uproxx como “o seu primeiro projeto planejado como um álbum, e não apenas uma compilação de músicas”, conta uma história de amadurecimento sob a perspectiva de um relacionamento à distância que o compositor teve com a artista transexual Cate Wurtz, que ainda não tinha descoberto sua transexualidade.


Agora com o apoio da gravadora Matador Records e uma banda para acompanhá-lo, Will Toledo regravou seu projeto mais querido, atualizando as letras escritas há mais de sete anos com uma produção detalhada e variada, adicionando ainda mais sensibilidade à narrativa. O novo Twin Fantasy é, em suma, uma evolução do projeto original sob todos os aspectos, resultado de um artista amadurecido e capaz de ser original até numa revisita.


Melhores faixas: Beach Life-in-Death; Bodys; Famous Prophets (Stars).


Sophie - “Oil of Every Pearl’s Un-Insides” / EDM, Deconstructed club

MSMSMSM, 2018


Há três anos, desde que anunciou colaboração com a britânica Charli XCX e lançou seu primeiro projeto, “Product”, compilação de seus principais singles até ali, a produtora de música eletrônica Sophie tem se destacado por fazer um dos trabalhos mais ricos e inovadores do gênero.


Seu novo projeto e primeiro álbum de estúdio, “Oil of Every Pearl’s Un-Insides”, mistura momentos mais agressivos, como em “Ponyboy”, e outros mais leves, como em “Is It Cold In the Water?”, numa exploração ainda mais profunda da chamada “PC Music”. Carregando novas ideias e uma sonoridade intrigante que parece vir do futuro, a música de Sophie continua desafiadora, mas ao mesmo tempo atraente aos ouvidos.


Entretanto, a maior diferença desse projeto para o resto de sua carreira é o caráter pessoal que boa parte das faixas do disco tomam. Através dos vocais da canadense Caila Thompson-Hannant (do projeto solo “Cecile Believe”), Sophie explora pela primeira vez sua recém-revelada transexualidade em músicas como “Faceshopping”, que explora sua mudança corporal e visual, ou “Immaterial”, que discute sua identidade como produtora e seu processo de auto-aceitação enquanto mulher transgênero.


Melhores faixas: Faceshopping; Is It Cold In the Water?; Immaterial.


Sons of Kemet - “Your Queen Is a Reptile” / Afro-jazz, Dub

Impulse! Records, 2018


À primeira vista, o título do novo álbum do quarteto britânico de afro-jazz Sons of Kemet, “Your Queen Is a Reptile”, não parece representar muita coisa. Seu significado, porém, só é perceptível quando o ouvinte mergulha nas nove composições que formam o disco. As faixas são todas intituladas de acordo com o título do próprio álbum, alterando o pronome no início para “my”, enquanto “reptile” dá lugar ao nome de importantes mulheres negras de vários lugares e períodos históricos. A escolha por usar “reptile” (do inglês, “réptil”, classe de animais de “sangue frio”) pode ser interpretada como uma crítica às tradições monarcas do Reino Unido.


As dinâmicas composições de Shabaka Hutchings, saxofonista e líder da banda, acompanham as referências feitas nos títulos das músicas, com sonoridades que remetem à vida de cada de uma das mulheres homenageadas. Em “My Queen Is Angela Davis”, por exemplo, ouvimos um instrumental explosivo e caótico, com várias quebras e passagens bruscas, representando a trajetória da militante política norte-americana.


Já em “My Queen Is Yaa Asantewaa”, a banda toca de maneira mais contida, utilizando aspectos que dão à música um tom de mistério e grandiosidade, traduzindo a luta da rainha-mãe de Ejisu durante o Império Ashanti (atual Gana), contra o colonialismo britânico.


Melhores Faixas: My Queen Is Ada Eastman; My Queen Is Angela Davis; My Queen Is Albertina Sisulu.


Outras recomendações:

  • U.S. Girls - In a Poem Unlimited;

  • Noname - Room 25;

  • Blood Orange - Negro Swan;

  • Marie Davidson - Working Class Woman.

Lançamentos Nacionais


Elza Soares - “Deus é Mulher” / Samba-rock, Vanguarda paulista

Deckdisc, 2018


Ícone do samba nacional e uma das vozes mais consagradas da música brasileira, a octogenária Elza Soares voltou a ter notoriedade em 2015, com o disco “A Mulher do Fim do Mundo”, que entre outros prêmios, ganhou Melhor Álbum no Prêmio da Música Brasileira.


Seu novo álbum, “Deus é Mulher”, é quase uma sequência de seu penúltimo projeto, explorando muitos dos mesmos temas, como a sexualidade de Elza, ou a sua posição na sociedade enquanto mulher negra, discutindo violência, feminicídio, lugar de fala e ancestralidade. Mas mesmo muito relacionado, Deus é Mulher não se resume a uma cópia de A Mulher do Fim do Mundo.


A diferença que se nota logo de cara são os arranjos ainda mais inovadores do produtor Guilherme Kastrup e seu time de instrumentistas, que apostam em elementos musicais do candomblé, além de sintetizadores e metais que, juntos, formam a cacofonia presente no estilo da vanguarda paulista.


Outro aspecto peculiar do disco é a maneira como Elza e sua equipe de compositores exploram as letras de modo a criar “mantras”, que são repetidos no decorrer das faixas, tornando contundente as mensagens que a música transmite.


Melhores faixas: Exu nas Escolas; Dentro de Cada Um; Deus Há de Ser.


BK - “Gigantes” / Hip-hop, Rap, Trap

Pirâmide Perdida Records, 2018


Crescido no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, Abebe Biklia, mais conhecido como “BK”, traça sua carreira como um dos principais nomes da nova onda de artistas do rap nacional. Assim como Djonga, FBC e Coruja BC1, BK propõe uma revisita aos anos 1990, com um som que destaca as rimas, ideias e vivências de quem veio “de baixo”, das favelas das grandes metrópoles brasileiras, num tempo em que o rap é tomado por artistas que privilegiam a estética em detrimento do conteúdo lírico.


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Em seu segundo disco, intitulado “Gigantes”, BK se encontra num estágio de afirmação de sua carreira, ao mesmo tempo que faz reflexões complexas e maduras acerca de diversos temas que envolvem a juventude preta de periferia, como o sucesso financeiro do negro, sexualização da mulher e do homem negro, e superar as barreiras estruturais e físicas que mantém o pobre à margem da sociedade.


O álbum é muito bem estruturado, com cada faixa contando sua narrativa particular para construir um todo coeso, de produção simples, mas ainda atualizada e que foge do óbvio. Ao final de seus 49 minutos, “Gigantes” ressoa como uma obra importante e necessária, fruto da visão minuciosa de um artista que enxerga sua realidade num patamar acima.


Melhores faixas: Novo Poder; Gigantes; Exótico; Deus do Furdunço.


Maria Beraldo - “Cavala” / Experimental, Vanguarda paulista, Noise pop

Risco, 2018

Clarinetista por formação e Mestre em Música pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Maria Beraldo compõe o cenário da música brasileira como membra da banda do amigo e compositor Arrigo Barnabé, o Quartabé, além de ter tocado junto a diversos artistas consagrados, como Elza Soares e Rodrigo Campos.


Com 30 anos recém completos, Maria se descobriu lésbica e compositora, e seu primeiro projeto solo, “Cavala”, traduz o que a própria artista classificou como sua “saída do armário”. No álbum, através de letras simples, enigmáticas mas contundentes, Maria explora o feminino sob a própria perspectiva, falando, principalmente, de sua sexualidade.


Os arranjos e produção do disco são os aspectos que mais causam impacto. Cavala é um disco de sonoridade anárquica e muito criativa, o tipo de música que não costuma ser lançada com muita frequência. Ao todo, é um álbum agressivo, que soa como uma porrada, mas não sem intervalos que expressam o lado mais doce e onírico do disco, como em “Eu Te Amo”, cover da música de Chico Buarque.


Melhores faixas: Tenso; Da Menor Importância; Helena.


Karen Santana - Poderes de Évora / Rap, Jazz rap, Trap

Independente, 2018


Natural de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, a rapper Karen Santana tem sua carreira musical ligada ao coletivo As Lavadeiras, grupo que faz ligações entre rap com sons da cultura popular. Seu álbum de estreia, “Poderes de Évora”, segue essa mesma direção, misturando a qualidade lírica da rapper com toques nordestinos, além de flertes com o jazz e o trap norte-americanos.


Mesmo com apenas 24 anos e sendo uma figura ainda pouco conhecida fora da cena localizada do interior paulista, Karen já é uma artista de muita identidade e com uma voz única. Os temas abordados em seu disco destoam do que é comum de ver tanto no rap nacional, quanto no cenário feminino do gênero.


Em “Educando a Herança”, por exemplo, vemos a rapper refletir de maneira muito madura sobre o sistema educacional brasileiro, que pouco leva em conta a ancestralidade dos povos originais do país. Outro momento de muita força está em “Viagem”, penúltima faixa do disco, em que se discute, num tom crítico, o modo de vida urbano, essencialmente individualista e alienado.


Ao explicar o título de seu projeto, Karen disse ao portal Guitar Talks: "Évora é o arquétipo que representa esse novo despertar não só espiritual como ideológico. Falta-se muita informação de empoderamento, principalmente nas quebradas. Entretanto, hoje já é possível ouvir e ver as Évoras retornando ao seu posto novamente, muitas vezes sem essa informação, de maneira intuitiva".


Melhores faixas: Penumbra; Educando a Herança; A Viagem.


Outras recomendações:

  • Clau Aniz - Filha de Mil Mulheres;

  • MULAMBA - Mulamba;

  • Drik Barbosa - Espelho;

  • Ana Cañas - TODXS.

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