O valor do autodescobrimento
“Everything Sucks” apresenta uma trajetória de aceitação da sexualidade lésbica
Na cidade de Boring, EUA, nos anos 1990, mais especificamente em Boring High School, é ambientada uma série que compreende um alto grau de visibilidade para adolescentes. Além de fazer referências musicais e geeks do fim do século XX, “Everything Sucks” aborda temáticas como descoberta da sexualidade e conflitos familiares.
A caracterização não deixa a desejar, os personagens estão no ensino médio, possuem cerca de 15 anos, mas diferentemente de produções como “High School Musical”, em que atores adultos são escalados para interpretar adolescentes, “Everything Sucks” conta com um elenco mirim. Os estudantes não apenas parecem de fato jovens, como vestem-se e comportam-se conforme a idade, e não possuem corpos esculturais.
Alunos de Boring High School. Divulgação da Netflix. Foto por Scott Patrick Green via The Echo
Luke e Kate são os protagonistas da série, adolescentes comuns e com histórico de problemas familiares. O garoto, que parece morar em um lugar simples, teve apenas a criação materna, pois ainda criança, seu pai abandonou a família, como é o caso de pelo menos 5,5 milhões de crianças no Brasil, segundo pesquisa feita pela revista Exame. A garota, por sua vez, também perdeu um familiar e precisou lidar com o falecimento precoce de sua mãe.
Essa forma de representar os personagens propõe uma identificação entre a série e a pessoa que assiste, devido à caracterização e o retrato de dificuldades no âmbito familiar. O reconhecimento é o primeiro passo para aproximar o espectador dos outros assuntos que serão tratados. A partir de Kate, é retratado o processo de se perceber não heterossexual em uma sociedade que naturaliza apenas relações entre pessoas de sexo oposto e impõe um determinado comportamento para os gêneros.
Desconfiados da sexualidade da colega, outros estudantes de Boring High School passam a tratá-la mal, tornando-a alvo de bullying. Dentre as ofensas expressadas, diziam que ela “tinha Aids”, estereótipo atrelado à comunidade LGBT+, além de ser considerada “nojenta” e “abominável aos olhos de Deus”. Kate se descobria lésbica em um período em que a informação a respeito da sexualidade era escassa, entretanto nos preocupa seguirmos ouvindo esse tipo de comentário nos dias de hoje.
Luke e Kate. Foto por Scott Patrick Green via Vox
Revistas sobre garotos e referências voltadas completamente a um público de meninas heterossexuais. Todas as garotas seriam direcionadas ao mesmo conteúdo, logo, com a ausência da diversidade, induzidas a considerar-se hétero. Ao se deparar um com um quarto repleto de pôsteres de astros teens, Kate entra em um momento de revolta e epifania, e finalmente, depois de diversas tentativas de ignorar sua sexualidade, assume-se lésbica. Liberta-se e tem compreensão de si antes mesmo de ter qualquer relação com outra mulher, desmistificando o preconceito da necessidade de possuir uma experiência antes de se entender LGBT+.
Entre os alunos que debochavam da protagonista, Emaline se destacava. Participa do Clube de Teatro e é uma das pessoas populares do colégio. Contudo, no decorrer da história, quando seu caminho cruza o de Kate, nota-se o crescimento de um sentimento amoroso entre elas.
Em primeiro plano, Emaline. Ao fundo, Kate. Foto: Reprodução/Império Séries
Emaline mantinha um relacionamento com outro membro do Clube, mas aos poucos a personagem percebe que vive uma relação abusiva, em que ela se vê no dever de agradá-lo constantemente e de mudar sua personalidade por ele. Sua paixão por Kate, faz dela uma pessoa bissexual, pansexual ou polisexual, entretanto “Everything Sucks” não coloca em pauta como é descobrir-se bi, pan ou poli ou sequer menciona tais palavras, o que invisibiliza essas sexualidades e demonstra um ponto negativo da série.
Por trás do enredo, “Everything Sucks” tem o papel de trazer visibilidade para um dos grupos da comunidade LGBT+, e essa é a principal característica que torna a produção significativa. Pois reconhece a existência de barreiras sociais para o descobrimento da sexualidade além do universo heteronormativo. É importante ressaltar que a série não tem e nem exerce função de encorajar necessariamente “revelações” para família e amigos, e sim de exaltar o valor pessoal do autodescobrimento.